Os salários das famílias em Portugal estão a crescer a um ritmo alarmantemente inferior ao dos preços das casas, tanto para compra como para arrendamento. Este desfasamento não é apenas uma má notícia; é um sinal preocupante de que o acesso à habitação está a tornar-se cada vez mais restrito para a maioria das famílias portuguesas. O Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU) já adverte para o agravamento das dificuldades de acesso à habitação, afirmando que, de facto, em mais de 75 municípios do país, torna-se 'inviável' comprar ou arrendar uma casa.

Para entender melhor este cenário, o IHRU analisou a capacidade das famílias no percentil 50 dos rendimentos (que em 2022 era de 13.897 euros a nível nacional) em suportar os custos medianos de mercado para a aquisição ou arrendamento de habitação. Este estudo levou em consideração diferentes níveis de taxa de esforço, ou seja, a proporção que as famílias podem destinar dos seus rendimentos para as despesas com habitação.

Segundo a análise do IHRU, em uma taxa de esforço considerada 'saudável' de 50%, cerca de 78 municípios dos 308 analisados apresentam uma realidade preocupante: as famílias com rendimentos no percentil 50 não conseguem suportar uma prestação mensal para a compra de habitação sem ultrapassar a metade de seus rendimentos. Além disso, a situação do arrendamento não é menos alarmante, uma vez que em 76 municípios, o arrendamento revela-se igualmente inviável.

Estes municípios encontram-se, maioritariamente, na Grande Lisboa, Grande Porto e Algarve, áreas onde a pressão imobiliária é especialmente intensa.

O estudo também revela que, caso a taxa de esforço seja reduzida para 40%, a situação piora ainda mais. Em 135 municípios, as famílias são pressionadas a ultrapassar este percentil para conseguir comprar casa, enquanto em 173 municípios, a dificuldade de arrendar subiu acima do mesmo limite.

Finalmente, se considerarmos uma taxa de esforço ainda menor, de 35%, os dados mostram que em 164 municípios é impossível para as famílias suportar uma prestação mensal de compra de casa sem que essa despesa ultrapasse 35% dos rendimentos. Curiosamente, a dificuldade de arrendamento intensifica-se ainda mais, afectando 238 municípios, onde se torna 'inviável' para as famílias arrendar uma casa com essa taxa de esforço.

Com base nestes dados, o IHRU sugere que, na verdade, só conseguimos obter algum acesso à habitação em áreas diferentes caso toleremos taxas de esforço extremamente elevadas, o que indica uma contradição da lógica de mercado. Com a pressão acumulada, mesmo com um limite superior de esforço de 50%, as famílias em mais de 75 municípios enfrentam um cenário de acesso 'inviável' tanto na compra quanto no arrendamento de habitação.

Em resposta a esta crise habitacional, o IHRU, liderado por Benjamim Pereira, destaca a importância de se ter informação mais aprofundada sobre os rendimentos e os preços da habitação, sugerindo que uma análise mais minuciosa sobre as taxas de esforço habitacional, incluindo a ambos os tipos de habitação, deve ser levada a cabo. Para isso, é fundamental que dados mais precisos e menos enviesados, especialmente entre regiões mais interiores e áreas urbanas com maior densidade populacional, sejam disponibilizados.

No entanto, restarão muitas perguntas sem resposta enquanto as famílias continuam a sentir os efeitos diretos deste desequilíbrio entre salários e preços da habitação. Se as medidas necessárias não forem implementadas rapidamente, a crise habitacional portuguesa poderá agravar-se ainda mais nos próximos anos.