Cada vez mais os animais de estimação ocupam um lugar central nas famílias portuguesas. São fonte de carinho, companhia e também de responsabilidade. Mas será que a legislação portuguesa acompanha esta realidade?

Em casos de doença, acidente ou necessidade urgente de assistência, é possível faltar ao trabalho para cuidar de um cão ou gato? E as faltas são justificadas ou remuneradas?

Vamos perceber o que está previsto na lei portuguesa sobre a assistência a animais de companhia, comparamos com exemplos de outros países europeus e explicamos por que razão este tema continua a gerar dúvidas e conflitos.

1. Posso faltar ao trabalho para tratar do meu animal de estimação?

A legislação portuguesa não prevê, de forma direta, que possas faltar ao trabalho para cuidar de um animal de estimação, seja cão, gato ou outro. Existem motivos legalmente definidos que permitem justificar faltas laborais, como a assistência a filhos ou familiares dependentes, mas os animais de companhia não estão incluídos nessas categorias.

Na maioria dos casos, faltar para levar o teu cão ou gato ao veterinário, por exemplo, não será considerado motivo legalmente justificado, a não ser que o teu chefe aceite a ausência como válida. Mesmo assim, nos casos em que a falta é aceite como justificada, não há garantias que o dia de trabalho será pago.

A lei portuguesa considera crime abandonar ou deixar de cuidar de um animal de companhia, mas isso não se reflete automaticamente em proteção laboral para quem precisa de faltar ao trabalho por esse motivo.

2. Em que casos as faltas são justificadas e remuneradas?

A lei não prevê faltas justificadas e remuneradas para cuidar de um animal de companhia, mesmo em casos de urgência veterinária. No entanto, poderá existir um entendimento da entidade patronal. Digamos que podem existir três cenários:

  1. Falta justificada e remunerada: se a entidade patronal for compreensiva e aceitar a situação, a falta pode ser considerada justificada e não implicar perda de salário. No entanto, pode haver o pedido para repores as horas de trabalho noutro momento;
  2. Falta justificada mas sem remuneração: a entidade patronal aceitará a justificação, mas os dias em falta não são pagos. Esta é, na prática, a situação mais comum;
  3. Falta injustificada: se o empregador não aceitar a justificação, a falta será considerada injustificada, o que pode levar à perda de remuneração e, em casos mais extremos, a sanções disciplinares.

Apesar de existirem obrigações legais no que toca ao bem estar animal, a legislação laboral portuguesa ainda não acompanha as exigências. Ou seja, és legalmente responsável por cuidar do teu animal, mas não tens, à partida, direito a faltar ao trabalho para o fazer.

3. Cuidados dos animais de estimação: como é na Europa?

Se olharmos para situações semelhantes na Europa, percebemos que há países mais avançados do que Portugal neste assunto. Um bom exemplo é o caso de Itália, onde uma mulher teve de faltar dois dias ao trabalho para cuidar do seu cão, que tinha sido operado e precisava de acompanhamento.

A funcionária pública vivia sozinha e não tinha ninguém que pudesse ajudá-la com o transporte e os cuidados do animal nesse momento delicado. Inicialmente, a empresa onde trabalhava não aceitou as faltas como justificadas e decidiu não pagar esses dias. No entanto, a italiana recorreu à justiça, com o apoio de uma associação de proteção dos animais. O tribunal acabou por lhe dar razão, reconhecendo que, segundo a lei italiana, deixar um animal doente sem assistência pode até levar a sanções legais. Por isso, as faltas foram consideradas justificadas e os dias acabaram por ser pagos.

Contudo, o caso espanhol não é muito distinto do nosso. No país vizinho foi aprovada em 2023 uma nova Lei de Bem-Estar Animal, vista como um passo importante para reforçar os direitos dos animais. Apesar da aprovação, a lei permanece, para já, mais uma promessa do que uma proteção efetiva.

4. Perda de salário por assistência a animais de estimação

Atualmente, se precisares de faltar ao trabalho para cuidar de um animal de estimação doente, arriscas-te a perder a remuneração desses dias. Para que a realidade mude, são necessárias alterações concretas. Eis o que pode ser feito para proteger quem precisa de cuidar dos seus animais:

  • Reconhecimento legal da assistência a animais como motivo de falta justificada e remunerada, à semelhança do que já acontece com outros membros do agregado familiar;
  • Criação de um estatuto laboral específico para tutores de animais, que contemple o direito a ausentar-se em casos de emergência veterinária, sem perda de retribuição;
  • Definição clara dos critérios e limites, para evitar abusos e garantir a aplicação justa da medida.

5. O que dizem os partidos em Portugal sobre a assistência a animais de estimação?

A discussão sobre faltas justificadas e remuneradas para cuidar de animais de companhia está a tornar-se cada vez mais relevante, mas a lei portuguesa continua sem oferecer resposta concreta. Desde 2014, existe uma norma que penaliza o abandono e a negligência dos animais, exigindo responsabilidade aos tutores, mas sem garantir condições laborais para que essa responsabilidade possa ser cumprida sem prejuízos.

No programa da Aliança Democrática para as legislativas de 2025, a proteção animal surge como uma preocupação importante, com foco no combate aos maus-tratos, no abandono e na capacitação das autarquias para uma atuação mais eficaz. No entanto, não existem propostas específicas para integrar a assistência a animais no Código do Trabalho.

Por outro lado, o PAN é mais específico e defende o direito a um dia de luto pela morte de um animal de companhia registado e até dois dias de faltas justificadas por ano para prestar assistência inadiável e imprescindível ao animal.

Além disso, foi recentemente entregue na Assembleia da República um projeto de lei que propõe alterações ao Código do Trabalho e à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas para garantir que estas faltas passem a ser legalmente reconhecidas e remuneradas.

Por fim, para muitos portugueses, a evolução legislativa é essencial para que cuidar de um animal de estimação, especialmente em situações de doença ou emergência, deixe de ser um dilema entre o bem-estar do animal e a estabilidade profissional do tutor.