A comissão de inquérito ao incêndio no hospital de Ponta Delgada, nos Açores, trouxe à luz diversas irregularidades e questionamentos sobre a construção do hospital modular. O relatório final revelou conclusões alarmantes sobre a legalidade e regularidade financeira do projeto, que agora está sob intensa análise pública e política.

Na sequência do incêndio devastador ocorrido no dia 4 de maio de 2024, que levou à transferência de doentes e à necessidade urgente de reabilitar os serviços de saúde, decidiu-se pela instalação de um hospital modular junto ao edifício principal do hospital. Contudo, a comissão de inquérito, que foi criada em fevereiro de 2025, propôs um escrutínio detalhado sobre as circunstâncias, responsabilidades e consequências do incêndio e da resposta institucional.

De acordo com o relatório, a forma como o hospital modular foi adjudicado suscita sérias dúvidas relativamente à legalidade dos processos envolvidos. “Não foi possível confirmar o cumprimento integral dos procedimentos legais e administrativos exigidos na adjudicação”, revela a comissão. O que é ainda mais preocupante é que a comissão não teve acesso a documentos que comprovassem a legalidade do processo.

Durante as audições, nenhum responsável da área da Saúde ou da Administração Pública Regional apresentou informações claras sobre o processo de contratação, levantando questões sobre a falta de transparência e controle. Em resposta a esta situação, o parlamento açoriano decidiu proceder com um pedido de auditoria ao Tribunal de Contas para investigar os contratos e despesas relacionados.

A decisão de avançar com uma estrutura modular não foi apoiada por estudos técnicos ou económico-financeiros adequados, segundo a comissão. Em vez disso, a decisão ocorreu num contexto de emergência, apenas para garantir uma resposta rápida à interrupção dos serviços essenciais de saúde. O relatório sublinha a ausência de um estudo comparativo adequado que poderia ter avaliado alternativas, como a reabilitação do hospital existente.

O hospital modular, que foi inicialmente orçado em 12 milhões de euros, acabou por custar cerca de 40 milhões. Surpreendentemente, o prazo de execução foi prolongado para mais de 180 dias, em vez dos prometidos 90. Este claro desvio orçamental e atrasos levanta questões sobre a eficácia do processo de gestão e execução da obra.

Sobre a estrutura modular em si, o relatório indica que ela apresenta várias limitações em termos de capacidade de internamento, urgências e infraestrutura. Ao invés de resolver o problema, a solução modular foi considerada apenas uma resposta provisória que não consegue restabelecer a plena capacidade do HDES, o hospital principal.

Enquanto o hospital modular foi erguido com a intenção de ser uma solução imediata, profissionais da saúde indicaram que a reabilitação do hospital original poderia ter sido realizada mais rapidamente, garantindo condições técnicas e operacionais apropriadas.

Por fim, o relatório final da comissão de inquérito deverá ser enviado ao Tribunal de Contas e ao Ministério Público para possíveis ações legais. As revelações contidas neste relatório irão, sem dúvida, provocar um amplo debate e exigindo responsabilização por parte das entidades envolvidas.

Este é um assunto de grande relevância não apenas para os Açores, mas para todo o país, dado o impacto direto que a gestão da saúde pública tem na vida dos cidadãos. Enquanto as investigações prosseguem, a população aguarda transparência e justiça neste caso que expõe falhas significativas na administração pública.