Há muito que o ato de decorar uma casa deixou de ser apenas uma expressão pessoal ou funcional. Decorar uma casa tornou-se sinónimo de obedecer a regras — de simetria, de harmonia, de bom gosto validado por catálogos e, mais recentemente, por redes sociais. A ideia de que a casa perfeita é aquela digna de uma publicação "Instagramável" impôs uma estética universal: neutra, minimalista, impessoal. Estará assim a casa moderna a perder a sua voz própria em nome de um ideal decorativo uniforme? Revelamos a visão dos especialistas.
Numa espécie de tirania social da decoração silenciosa, decorar passou a ser também uma forma de performance — não apenas estética, mas social. A casa, esse refúgio íntimo e espaço de identidade própria, acaba assim a transformar-se num palco, uma realidade artificial que dá lugar a ambientes que, muitas vezes, não dizem nada sobre quem lá vive. É o reinado da estética a prevalecer sobre a vivência, e os interiores a deixarem de refletir quem os habita para projetar uma imagem socialmente aceitável.
Esta nova era da exposição está a uniformizar a forma como olhamos para os interiores. Tons neutros, minimalismo calculado, candeeiros suspensos como esculturas e divisões que parecem tiradas de um catálogo nórdico. Mas será que tudo isto faz sentido quando falamos de espaços destinados a viver e a sentir, e não apenas a ser fotografados?
A estética da casa moderna também reflete a pressão das redes sociais, que está a resultar numa homogeneização dos interiores. É comum ver projetos que são pensados “para a fotografia”, ignorando o conforto e a identidade de quem habita o espaço. Este fenómeno gerou ambientes visualmente impecáveis, mas emocionalmente frios. O papel do design deveria, na verdade, respeitar a individualidade e valorizar a experiência da vivência sobre a aparência. Os espaços precisam de refletir as emoções, as memórias e a quintessência de quem os habita.
A estética idealizada pelas redes sociais esconde-se também nas decisões mais inocentes. Estamos a competir pela casa mais incrível, e esquecer o que realmente nos faz sentir bem. O receio de errar na escolha decorativa tem causado uma falta de ousadia. Isso é ainda mais evidente na chamada cromofobia — o medo de usar cores, que acaba por reforçar a neutralização dos espaços. A cor, quando utilizada de forma estratégica, tem o poder de transformar um ambiente, trazendo vida e expressando personalidade.
Por outro lado, o jogo de texturas e o uso adequado da luz são elementos fundamentais para criar atmosferas autênticas. Uma casa é um processo em constante evolução e precisa de ser vivida antes de ser finalizada. Objetos afetivos, herdados ou artesanais, também podem trazer autenticidade e quebrar a ditadura da perfeição. São relatos visuais de vivências, que muitas vezes superam qualquer tendência passageira.
Por fim, a mistura de estilos e épocas pode parecer arriscada, mas é uma prática eficaz para criar ambientes com identidade. O segredo está em encontrar pontos de ligação que mantenham a harmonia do espaço. O importante é arriscar, testar e não ter medo de misturar. Cada casa deve refletir a alma dos seus habitantes, e a decoração deve ser um exercício de escuta interior, não de performance social.
Libertar-se da pressão estética e decorar com significado é a chave para transformar um espaço qualquer num verdadeiro lar, um espaço que nos faz sentir completos e 'em casa'.